Mural de Memórias - Ponta do Sol - Escultora Patrícia Sumares

Patrícia Sumares apresenta-nos um mural escultórico de grandes dimensões, composto por mais de três mil rostos realizados a partir de duzentos e cinquenta moldes recolhidos não só junto da população do município da Ponta do Sol, mas também entre turistas e pessoas que mostraram interesse em participar no projeto. Para esse efeito a artista tem vindo a realizar os moldes dos rostos no seu ateliê, ao longo deste último ano entre as duas edições do festival Aqui Acolá, captando a essência de cada fisionomia e convocando o público a participar ativamente no seu trabalho. O espetador tem assumido um papel de co-criador, na medida em que participa na conceção da obra, emprestando o seu rosto, tornando-se uma parte viva do próprio painel. Mais do que meros rostos, são expressões e sentimentos de uma comunidade, são histórias de vida e memórias coletivas. São paisagens humanas de esperança que revelam um certo sentido de espiritualidade e de união cívica.

O rosto e as questões simbólicas que lhe estão subjacentes têm sido um tema recorrente no trabalho de Patrícia Sumares, através de instalações escultóricas que propõem um olhar filosófico sobre a vida, a perenidade, a esperança e a memória. A subtileza e poesia do seu discurso visual tem vindo a caracterizar a sua abordagem à escultura, criando peças que funcionam enquanto metáfora da condição humana.

Ao contrário das obras artísticas mais convencionais que caracterizam boa parte da arte pública instalada na Madeira, a artista propõe uma intervenção artística de caráter comunitário, uma vez que convoca uma parte dos cidadãos para “darem a cara” pelo projeto. Esta relação de cooperação e parecia criativa insere-se no espírito da arte pública que desenvolve um compromisso social, que valoriza e promove a participação efetiva da sociedade na criação artística. Por outro lado, reflete um esforço no sentido de desmistificar a arte, tornando-a acessível aos cidadãos, já que permite o seu envolvimento direto e a partilha do ato criativo. Entende-se, assim, a arte enquanto catalisador de energias coletivas e desenvolvimento do potencial humano.

Mas não é apenas através dos diferentes rostos que a artista estabelece uma relação específica com o local onde será realizada a intervenção artística. A contrastar com o fundo, surge um conjunto de silhuetas de aves que caracterizam a fauna madeirense. Estas formas espelhadas, com acentuada dinâmica visual, emergem do mural criando diversas possibilidades fruitivas, através da sua forte interação com o espaço circundante. Tal verifica-se quer através do jogo de reflexos que proporciona com a paisagem envolvente, quer por meio da exploração de diferentes efeitos cromáticos derivados da incidência da luz. As superfícies espelhadas não só duplicam a paisagem, criando novas relações espaciais, como distorcem a perceção visual, introduzindo uma nova dimensão no trabalho.

Nesta organização intercalada de formas, observa-se a exploração de valores expressivos de luz e sombra, que funcionam como um verdadeiro estímulo à imaginação do espetador que ali descobre diversas associações simbólicas. Apela também a uma introspeção contemplativa dos transeuntes que observam a obra, proporcionando uma certa identificação coletiva.

José Pedro Regatão

 

Patrícia Sumares presents us with a sculptural mural of large proportions, composed of over three thousand face sculptures. These were created from two hundred and fifty molds of not only local residents of Ponta do Sol, but also tourists and others who showed an interest in taking part in this project. To this end, the artist has been creating the face molds at her atelier over this past year (in between the two editions of the Aqui Acolá festival), capturing the essence of each physiognomy and calling upon the public at large to take an active part in her work. The onlooker takes on the role of co-creator, insofar that they participate in the making of the work, “lending” their face and becoming a living part of the panel itself. But they are more than mere faces; they are the expressions and feelings of a community, its life stories and collective memories. They are human landscapes of hope which reveal a certain sense of spirituality and civic union.

The face and its underlying symbolic issues have been a recurring theme in Patrícia Sumares work, through sculptural installations that propose a philosophical examination of life, the perennial, hope, and memory. The subtlety and poetry of her visual discourse have come to characterize how she approaches the art of sculpture, creating pieces that function as metaphors for the human condition.

Contrary to the more conventional artworks that make up a large part of Madeira’s public art, the artist proposes an artistic intervention with a sense of community, as it calls upon the citizens to “show their faces” for the project. This cooperative relationship and creative partnership is intrinsic to the spirit of a public art that foments a societal commitment to the valorization and promotion of an effective participation of society in the artistic endeavor. The artist’s work also reflects an effort to demystify Art itself, making it accessible to the common citizen, since it allows for their direct involvement in and sharing of the creative act. In this sense, art can be seen as a catalyzer for the collective energy and development of the human potential.

However, it is not merely through the different faces that the artist establishes a specific relationship with the locale where the artistic intervention is to take place. Contrasting with the background, a “flock” of bird silhouettes, characteristic of Madeira’s fauna, appears. These mirrored shapes, imbued with an intense visual dynamic, emerge from the mural creating a diversity of fruitive possibilities, through their forceful interaction with the surrounding space. This is achieved through the interplay of their reflective surfaces with the encompassing landscape, and through exploring different chromatic effects produced by the way the light is focused. The mirrored surfaces not only duplicate the landscape, creating new spatial relations, but also warp the visual perception, introducing another dimension to the work.

In this intercalated organization of shapes, one can observe how the expressive values of light and shadow are wrought so as to truly stimulate the onlookers’ imagination—leading to the discovery of its diverse symbolic associations. It also calls for an introspective contemplation from its onlookers, giving rise to a sort of collective identification.

José Pedro Regatão