Texto de Luís Rocha In Funchal Notícias - 5 de Maio de 2016
Por entre caixotes carregados de faces elaboradas em cerâmica, as mesmas que se destinavam a ser calcadas e esmagadas pelos próprios pés dos visitantes da primeira exposição ‘tu és pó e ao pó voltarás’, que esteve patente na Reitoria da UMa, no Funchal, encontramos também a oportunidade de contemplar, quase como de uma perspectiva aérea, uma curiosa paisagem, quiçá terrestre, quase lunar, onde, entre as faces humanas desencarnadas e os seus fragmentos, descobrimos uma ‘cratera’, como se ali tivesse embatido um meteorito. As nossas noções de escala e percepção são alteradas, e – pelo menos pessoalmente e tal como na exposição que a esta antecedeu – descubro-me de imediato, e com certa angústia, a perscrutar o interior em busca de interpretações sobre o significado humano algures oculto por detrás desta instalação. _Intuo, sei que no âmago da mesma estão profundas interrogações, irónicas umas, amargas outras, sobre o desprezo que o ser humano sente pelo seu semelhante, e sobre a natureza solitária e por vezes injusta e insignificante da existência.A artista plástica Patrícia Sumares inaugurou ontem no Centro Cultural John Dos Passos uma instalação intitulada ‘tu és pó e ao pó voltarás II’, espécie de ‘remake’, em escala menor, da notável instalação apresentada em finais do ano passado na Reitoria da Universidade da Madeira. Pode-se dizer, sem risco de erro, que nesta instalação Patrícia volta a demonstrar claramente os atributos criativos que fazem dela uma artista provocadora e interessante, com uma visão simultaneamente profunda e tocante nos temas que apresenta e, simultaneamente, um cuidado formal extremo com os aspectos cénicos e, quase diríamos, mesmo dramáticos gerados no enquadramento das peças que produz e da sua expressividade.
A atenção que coloca na mais perfeita adequação possível das obras geradas no seu percurso predominantemente escultórico com o meio ambiente envolvente também é digna de nota. Desta feita, Patrícia Sumares transformou uma pequena sala de exposições do Centro John Dos Passos num verdadeiro abismo, quase um estranho portal dimensional, em que as nossas noções espaciais são curiosamente alteradas pela colocação de dois espelhos, um no tecto, outro no chão, que multiplicam quase ao infinito a própria imagem do fruidor.
Sem grandes pretensões, esta é apenas uma leitura possível desta mostra de Patrícia Sumares. Que vale o que vale, e termina apenas com esta exortação: vale a pena ver e acompanhar o trabalho desta artista madeirense, que para nós e cada vez mais, se tem revelado das mais interessantes.